como responder a um serial-killer envenenado.

querida mãe,
hoje embriaguei-me de amor quando vi a vizinha do terceiro
esquerdo a subir as escadas de acesso ao prédio, à minha frente,
com suas varizes a revelar-se por baixo da saia azul.
Não pretendia dizer-te as coisas deste modo, mas acho que estou
a ficar apaixonado. Eu sei que ela é minha avó, e que também é tua
mãe, mas o amor não escolhe idades nem varizes, nem escolhe
vizinhas, mãe. Eu sei, eu sei, eu sei que já é altura de romper 
estas barreiras sociais, mãe, e aceitar de uma vez por todas este
nosso elemento no seio da nossa família, mas tu não queres mãe,
não aceitas o facto do teu avô ter copulado com uma preta, e ter
enfeitiçado a nossa família branca com meninos e meninas mulatas. 
Mas temos de a aceitar, ou como avó, ou como amante, ou como
cliente habitual da nossa sex shop para senhores e senhoras 
reumáticos da terceira idade. Não fiques ressentida, mãe, 
tu sabes que as senhoras mais velhas sempre me influenciaram
 a obter erecções, no fundo de ti sabes que é essa a razão que me 
fascina por te olhar no banho, quando finges que o sabão caiu e te
inclinas dessa maneira, sabendo que eu espreito pela fechadura.

querido filho,
é com orgulho que adquiro a informação de que sou fruto das 
tuas ejaculações. sempre te admirei e agradeço o facto de não
teres medo de partilhar estas informações comigo, mesmo que 
o tenhas feito de forma indirecta, deixando um envelope 
fechado em cima da minha cama onde eu e teu pai outrora
te concebemos, suicidando-te de seguida no cimo do cume.
de certo modo não compreendo esta obsessão em te escrever 
uma carta de resposta, estando tu morto numa vala comum
porque te portaste mal a semana passada e não comeste os
cereais todos. devias ter aprendido que há meninos em África
que não têm de comer e, por respeito, poderias bem ter morfado
aquela terceira taça de chocapic que te iria proporcionar o triplo
da energia necessária para conseguires ultrapassar os sucessos
escolares dos teus colegas de turma. malvado! 

em pranto, a senhora sua mãe, sempre apontada como 
sendo original, suicidou-se vendo uma maratona de 
novelas da TVI e, ao fim de duas semanas de intensa
programação, sofreu uma hemorragia cerebral. 
seu marido só regressou a casa um mês após o 
acontecimento, porque seguia uma vida paralela e 
discreta com a vizinha do terceiro esquerdo.
refez a sua vida, normalmente, apreciando as
varizes da velha e ficou tudo em família.

Pataniscas de experiências

Abri a farinha em estanca e coloquei no meio o fermento, meu amor estava comigo nesse preciso momento. Eu aproveitei a ocasião para lhe transmitir uma certeza e disse-lhe:
- Você é meu coração, você é minha beleza!
Seu olhar me penetrou pelos canais de recepção oculares no momento de intercruzamento de nossas íris. E de repente era sangue, vísceras, e seu corpo inconsciente. Estendi a massa em forma de rectângulo, com meu rolling pin, e no meio coloquei o coração de minha amada. Dobrei a parte esquerda da massa, dobrei a parte direita da massa, como que embrulhando o coração para o Natal. 
Querida, nunca pensaste que eu fosse tão literal: você é meu coração.

Dei duas voltas simples e uma volta em livro, untei um tabuleiro com manteiga. Cortei bocados de massa e formei umas bolinhas, fiz uns pãezinhos da casa que estavam bem quentinhos. Tu só jazias defunta, sempre me acusando, com esses olhos de morta a meu pão mirando. Hoje sinto-me bem, estou orgulhoso de mim. Já há muito tempo que não me sentia assim: no estômago, no intestino delgado, o melhor bolo alimentar formado. Tenho o teu coração nas mãos, tenho o teu coração neste pão. 
Ho querida! Minha inspiração! Minha fonte de vitamina B12!

Contigo todos os momentos são pataniscas de experiências!