À sombra deste candeeiro de qualidade rasca, como o meu coração, vomito, por uma caneta generosamente oferecida por familiares que não me falam, palavras submetidas, quiçá, mais ao ego puro que à razão susceptível. Não consigo, porém, arranjar um muro que separe estes dois elementos, razão e ego, acreditando que a razão é derivada de um ego pessoal inconsciente e deriva de perspectivas actualizadas da personalidade humana e, porventura, que o ego é um também modo de razão pela qual nos concedemos acima de qualquer padrão e nos envaidecemos superiores. Estando isto certo ou não, é o meu modo de entendimento: passamos a vida a inteligir desinências, padrões que dificultam ligações entre elos mundanos e construindo barreiras em torno de palavras como se fossemos donos das palavras que, a par de tudo isso, não procuramos entender, afinal, que a vida é tão miseravelmente simples que tudo o mais distante tem ligação com tudo o mais e que nós somos meros peões num jogo de linhas cruzadas. Os donos de terras somente usufruem de poder para pisar terra com os seus pés, mas por mais terra que pisem, vizinha ou longínqua, o meio com que o farão será sempre o mesmo, com o(s) mesmo(s) pé(s), e a terra será terra, nada mais nada menos. Este pé, que se desloca onde a mente o comanda, o dono da terra e o dono do pé que anda com o pé na terra convencido que comanda a terra com os pés. Não encontro sequer certeza que o pé que tenho é meu, quanto mais a terra que piso. Se há em mim algo que me pertença, se o que tenho existe, então, eu devo existir também. Mas como ter certezas da minha existência, se surgem ocasionais dúvidas de quem sou? Suponha-se que tenho dúvidas; uma dúvida é uma espera entre uma (ou diversas) confirmação e uma negação. Se a dúvida se torna complexa, o produto que origina a sua exemplificação talvez nunca se torne suficientemente credível. Então, se eu não sei quem sou, como posso ter a certeza que possuo braços, pernas e cabeça? E como posso assumir que possuo tudo o que agarro, acedo a tudo o que piso e tomo liberdade de pensar tudo o que seja minha vontade? Quem me diz que eu nunca tenha pisado antes? Acredito, agora, que existo, sim, baseando-me numa crença. Quer dizer... se eu tenho se eu tenho crença, eu penso... se penso... existo? Quem me diz que eu não seja somente imaginação de um ser ou coisa ou taparué que me contém? Pessoa diria que tem em si todos os sonhos do mundo, mas quem me confirma que todos os meus sonhos não sejam, na verdade, ilusões presas a um poder maior que eu desconheça e que eu não seja, então, um sonho desse poder? Talvez isto tudo seja absurdo e uma prova viva da minha idiotice e mediocridade e, na verdade, não creio ganhar nada de relevante para a continuação da minha suposta vida com todo este vómito eloquente de palavras diversas. Estou, isso sim, caso, de facto, exista alguma coisa. a gastar carga de uma caneta e, caso, de facto nada exista, estou a gastar carga de uma caneta imaginária. Será prudente verificar que a imaginação, porém, é uma ocorrência, se assim se poderá denominar ao que de facto nem ocorre necessariamente e é fictício, de sequelas lineares de um abstracto e que, salvo erro, se eu for produto de imaginação não estarei, necessariamente, a gastar carga de uma caneta gentilmente oferecida por tios emocionalmente distantes, tanto que a caneta será, nesse caso, imaginária também. Um dos factores estritamente vantajosos da imaginação, nesta situação do sonho, é que ocorre uma separação entre a realidade e a não-realidade, e ninguém discordará que eu jamais engordarei facticamente na realidade após sonhar que almoço regularmente paletes de açúcar torrado e amanteigado. Mas, por outro lado, se ingerir quantidade tal enquanto acordado, aí sim, possivelmente me tornarei num monstro calórico, por isso é que, por vezes, possuo uma certeza exacerbada que existo, porque basta olhar para um obeso para garantir-me que ele existe muito. É irónico um obeso falar de qualidade de vida, quando carrega um fardo de diabetes tamanho que, às tantas, se duvida se haverá mais de doença que de humano em todo aquele pote de banha peludo e bexigoso. Cada um é como é, mas eu tenho de olhar para todos; há pessoas que deveriam ter ao menos em consideração que há pessoas, como eu, que, a par de usufruírem de um padrão estético, não apreciam olhar para coisas feias. Eu, a meu ver, considero abominante olhar para um conjunto deformado de banhas deslocadas e supor que podiam ali estar 3 ou 4 pessoas, incomodam-me monstros destes, com problemas de locomoção, a estragarem a sua vida. Incomodam-me pessoas que por si mesmas destroem o seu corpo. Não sei o que estou a escrever, mas ainda tenho tinta na caneta e um caderno cheio de folhas brancas. Tenho em consideração que é uma caneta PARKER, daquelas que, para trocar a carga, um idiota pobre como eu, que escreve desnecessariamente, terá de gastar uns quatro euros. Mas sou tão egocêntrico que quase sinto que vale a pena desperdiçar todo este tempo a escrever sobre nada, nem que me viesse aqui um casal de lesbianas pedir-me a caneta emprestada eu a concedia. Por vezes tenho essa sensação estranha de que alguém me mira entusiasticamente quando faço alguma coisa, mas depois descubro que são vesgos e que não é entusiasmo, é deslocação do globo ocular. Na volta nem estão a olhar para mim, é como descobrir onde está o Wally. É de crer que estas idiotices não deverão ser tomadas a sério. Eu, aliás, por vezes, me coloco a pensar que os anões são seres estáveis, que vivem moderadamente. Mas engane-se quem partilhar deste pensamento: anão não é anão por escolha, eles são metade porque sim, e isso não é ser moderado. É, quanto mais, ter um azar do caralho. Por essas e por outras é que eu questiono a existência de deus e a existência do que quer que nos tenha parido, sim, porque nós somos uma evolução de macacos ou lá sei, mas há um início estranho em tudo isto do qual não consigo construir ideia. Seja o que quer que seja, eu estranho anões e obesos mórbidos, e anões obesos mórbidos nunca vi. Se o leitor chegou até aqui, parabéns, deveria ser premiado, se for do seu agrado pode efectuar relações mecanicamente sexuais com a minha pessoa. Ou então arranje a puta de uma vida, que já é tempo de levantar o rabo dessa cadeira; creio que demorou uma eternidade a ler tudo isto. Mas não se preocupe, pode continuar por cá. Este mundo não precisa assim tanto de si.