Estou com algum sono, mas não creio dormir. Gostaria imenso que a bruxa me previsse o dia do meu falecimento, para eu arranjar um tempinho de ir comprar açúcar amarelo e fazer um bolo. Adorava fazer um bolo, um filho e uma nódoa negra na cabeça daquele desgraçado, adorava fazer tudo isso antes de falecer. Mas quem sabe, sequer, se não faleço agora, de um ataque cardíaco inesperado por não dormir horas suficientes ou suficientemente bem. Quem sabe se este colchão não será a última coisa a sentir, os colchões sentem?, a minha textura testicular (porque estou deitado de barriga para baixo). Talvez sim, talvez não, talvez viva até aos 93465043504359693659069365864369243999 anos, como o Freddie Krueger. Lá está... só nos meus sonhos. Por vezes fico a pensar se não penso demasiado, mas não deixo de pensar nisso. A determinado momento o meu cérebro está tão em papa que nem consigo pensar que estou a pensar, somente penso. Devo ter nódulos no cérebro do tamanho do cotão que encontro debaixo da minha cama. Durmo num cerco de substâncias ilícitas, talvez daí eu seja tão estranho, devo acordar todos os dias drogado ao respirar todo este pó, tenho de aspirar o meu quarto. Tenho de marcar isso na minha agenda. Tenho de arranjar, então, uma agenda. Mas como não tenho agenda para marcar que tenho de arranjar agenda não vejo como fazê-lo. Entrei num paradoxo; é como gastar dinheiro para comprar mealheiros ou respirar ar. Claro que se respira ar, mas as pessoas dizem ah, vou ali apanhar ar, é que nem dizem respirar dizem apanhar, como se fossem apanhar borboletas ou bandidos ou apanhar chuva; nesse caso da chuva até entendo, se bem que é a chuva que nos apanha a nós, nós não voamos propriamente para as nuvens para apanhar a água e, de qualquer modo, não entendo como possamos apanhar um líquido. Não podes empurrar ou puxar a água, ela escorre-te sempre das mãos, por isso é que tu és um produto, a natureza a escorrer-te das mãos. Tu sem apanhar a água e a água em maior parte de ti, dentro de ti, para que tu vivas para bebê-la para viveres. Uau, como és descartável. Como sou descartável. Como tudo isto é tão vazio de sentido, nós a vivermos de coisas que existiam antes de nós, tratando-as como se fossemos donos delas. Nem donos somos de cães, os cães são produto da Natureza como nós, nós ao mesmo nível de cães que urinam em postes de electricidade porque pensam que eles são árvores. Realmente... nós ao mesmo nível desses idiotas dos cães. De animais que cheiram o cu cagado de outros animais. Nós ao mesmo nível que eles, tantos anos de evolução, que deprimente, não é? É realmente estranho.