Otário Ano 1

Capítulo 1:
1ª Parte


O Otário a existir
já penso eu ainda e bem
que já tudo o demais de mim
pouco interessa a alguém.

Criei um Universo nosso
que de mim pouco pertence
pelo que é, ser eu nao posso,
e nao sou eu, fique patente.
by Otário

Em que devo acreditar? O que é a Verdade? Para mim o mundo é triangular. Os seus três vértices constituem as premissas do ser humano na Terra: Felicidade, Infelicidade e Realização. Durante a sua vida, ele tem objectivos que, ora uns cumpridos, o levam ao vértice da Realização. Posteriormente, entra numa fase de reflexão, enquanto envelhece, que o conduz ou para o vértice da Felicidade, se lhe agradar os resultados dos seus objectivos atingidos, ou para o da Infelicidade, se tal não acontecer. No decorrer desse periodo, circula por entre outros três caminhos, as arestas: sentindo-se injustiçado, detem forças e tenta remediar o Passado, considerando-o uma Mentira; ou desiste de combater, fraqueçando às garras da Verdade o que, eventualmente, o poderá levar ao Desespero. Na fase da juventude, circula pelo espaço branco, dentro do triângulo, como se numa tela pronta a ser preenchida com os seus sonhos. Assim, vive o seu Passado, Presente e Futuro, ao longo das suas três fases da vida. Hoje, é o meu dia de sair de casa e colorir esta bela tela que é o meu mundo. Hoje, conto-vos a minha história:

Havia um homem com medo da vida. Receio da morte.
Vivia a vida a fugir da morte. Andava de terra em terra, de país em país, de mundo em mundo... a fugir à Morte.
Todos fugiam dele e ele fugia de todos.
Todos os dias fugia da Morte: nem dormia, nem acordava, nem nunca estava no mesmo sítio.
Um dia, tentando-lhe fugir, depara-se com ela. E ela depara-se com ele. Admirada, pergunta
:
- Que estás cá a fazer? Queres morrer?
- Andava a fugir de ti...
- De mim? - disse incrédula - Mas eu não ando atrás de ti!
- Não? - questionou espantado.
- Escolheste o teu destino, a morte. Vou-te conceder.
E pelo pior que possam ser os seus receios, morreu, vivendo a vida a querer tal prodígio. Sem saber que a vida é para ser vivida e não com medo.

Soltei um grunhido e acordei a minha mãe. Aquele sonho fora assustador. Atordoado, mirei o relógio. 5 da manhã. Minha mãe aconchegou-me e reflectiu:
- Volta a dormir. Foi só um sonho mau - disse-me, desaparecendo no corredor. Chamei-a de novo para me fechar a porta do quarto. Não ousava adormecer novamente sabendo que alguém poderia entrar porta adentro sem pedir licença. Ensonado, adormeci. De novo, resplandecia silêncio naquela casa. De olhos fechados, ainda cheirava o medo. Não sabia especificamente, mas a origem daquele sonho poderia ter dois motivos: os filmes escandalosos que assistia na TV ou as três tangentes que quase me levaram à morte durante a minha pequenez - atropelamento e duas situações de afogamento. Nunca considerei a 1ª hipótese, com receio que os meus pais me escondessem a minha colecção de DVD'S.
Acordei de novo num sobressalto. Mencionei apenas três palavras: "Quero dormir. Cala-te!" Mas o despertador não me ouvia. Quando me levantei a minha irmã já estava acordada e a minha mãe já havia partido. Pouco faltava para a campainha dar o seu 1º toque de entrada e ainda me faltava tomar o pequeno almoço. Numa enorme correria, pulei e caí, pensei nela e nela a pensar em mim, laveime apressado... não convinha perder o autocarro; a chave já estava no bolso, olhei o pulso e faltava o relógio. De repente, parei. Dei de caras com a minha irmã deitada no sofá da sala: de pijama, com o cabelo por arranjar, tacteando duramente o comando da TV, culpando-o pela má qualidade dos programas matinais. O meu pai dormia no seu aposento. Em passos pequenos, regressei ao meu quarto, procurando o despertador que teria atirado abrutamente contra o chão, pouco depois de ter chinfrado. Debrucei-me e vi a data: 28-01-2007. Senti-me estúpido por me encontrar a pé tão cedo num Domingo!
A minha amiga Rita Flangelo, se se encontrasse ao meu lado neste momento, decerto diria:
- São essas situações que me fazem questionar se Ele de facto exste. Não entendo a necessidade de um ser sumamente perfeito se comportar de maneira tão mesquinha!
Rita é ateia, mas sempre tem a crença de que os seres humanos são comandados por um ente divino e, assim, aquando alguma tragédia, culpa-o. Quando questionada sobre a vida de um verdadeiro Deus, sempre tem uma resposta na ponta da língua:
- Gaarder escreveu: Se existe, ou existiu, "podia ter gravado o nome numa rocha ou numa coisa do género" - citando-o. De facto, nunca entendi a sua devoção por esse autor. Aliás, era ridículo estar apaixonada por um escritor que defende a criação de Adão e Eva e opinar exactamente o contrário. Por vezes chego a pensar que ela não entende o que lê.
Contudo, de nada servia reflectir sobre o momento, dada a quantidade de casos semelhantes que já tinha vivido: à medida que damos mais importância às coisas, tornam-se tão repetitivas e relativas que vão perdendo o seu significado.
Senti um calafrio. Fechei a janela do meu quarto para nã o me constipar. O céu declarava que ia chuviscar e eu perdi a vontade de escrever sobre ela. A luz já era pouca e a minha visão de moço encontrava-se, ainda, sedenta de sono. Dirigime à sala de estar e, reconfortado no sofá, mudei de canal. A minhã irmã já não lá estava. Considerei-me sortudo por, não recorrendo ao Zapping, dar de caras com um dos meus programas favoritos. Senti novamente um calafrio. Nenhuma janela ou porta se encontrava aberta naquele instante. Reciei estar doente.

"Não sou perfeito. Será que, se Ele realmente existe, estará a me castigar por algum erro que terei cometido?"

Entristeceu-me mais o facto de a minha pessoa apresentar lacunas: "NÃO SOU PERFEITO!"
Nessa altura, a minha memória trouxe à ribalta a convivencia com os meus colegas, e pensei: "ELES TAMBÉM NÃO SÃO PERFEITOS!"
Mirei de perto os quadros pintados por meu pai, que expusera na parede branca e, observando alguns ligeiros erros, afirmei: "AFINAL, TALVEZ NINGUÉM SEJA PERFEITO!"
Questionei-me, entao, qual a razão de um ser imperfeito viver lidando com outros seus semelhantes, também imperfeitos. Anotei um rabisco num dos papeis que trazia no bolso do casaco, em caso de tal:

"Se, verdadeiramente, todo o Homem é imperfeito, será que doou ao Mundo a sua mesma imperfeição ou foi o próprio Mundo que o dotou dessa sua condição?" - Questionei.

De facto, não era normal ter calafrios num momento da minha vida em que tinha tudo para me sentir saudável.
É dito que o Homem adquire perfecia na sua vida após ter plantado uma àrvore, tido um filho e escrito um livro. É o que me falta realizar. Aliás, tenho vários ideais que espero ver cumpridos: ganhar o Euromilhões, ter um cão e que o meu clube se torne campeão europeu. Ter um cão é comlicado!
A turma de 2006 também tinha muitos sonhos. Lembro-me de ouvir alguns: a Lena, abanando o corpo, pretendia-se imortalizar na dança e a Nara, sorrindo ingenuamente, seguir a área de psiquiatria.
Naquela sala, todos sabiam que aquele ano era terminal. Talvez por esse motivo, os restantes elementos também se quissezem pronunciar. Rosa Rio, a directora, já tinha alertado antes:
- Aproveitem todos os momentos. Daqui adiante será impossível formar uma turma com todos vós incluidos.
Os extrovertidos que a ouviam calavam-se e punham-se a pensar. a afirmação da directora chocava toda a turma, especialmente os nove combatentes que se conheciam desde a primária.
Aquela era a altura de fazer as malas. Pela primeira vez na vida senti que poderia vir a ser alguém. Os meus olhos meio olheirentos, da noite anterior mal dormida, viam o mundo com outras cores. sentado no banquinho de recordações, já ao final da tarde, escrivinhava o poema inacabado que dedicaria ao ao amor juvenil que o espírito primaveril teria conduzido até mim.

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Peço desculpa por qualquer erro que poderei ter cometido.