Disparou - Desafio Fábrica de Letras


Deitado ao comprido na escuridão do leito, seu corpo dormente, só por isso direito, padecia do que a mente insoluvelmente crónica em doença lhe conduzia. Invariavelmente, horas que só são horas, e não ganham sentimentos de valor, para ele a hora não passa, porque ele padece de ser o mesmo; e como quem padece, aguenta e sofre, também a hora, como sentimento que aflige, retoma à vulgaridade de só ser tempo que passa, sem interessar o número. Nunca notabilizou sentimentos. As letras serviam mais dele de consolo, pela procura inalterável de sentido que existe na palavra: à luz de cabeceira, escreve estrofes de coisas que foram, sinais de caneta meio cheia de vida congelada, se fosse pão, ele bolorecia, mas a vida não lhe concedeu o dom da beleza, também por esse factor ele se isola assim. Fosse contar com o número, já seria amanhã.

Aquele martelar vespertino de vespa que não dormiu por ter dedicado tão mais tempo a pensar na/no outra/outro coisa/coiso/alguém, acerta-lhe que nem uma arma na alma aberta assim já nascida: PUM!; dor no peito, sem ferida. Frida pintava mas tinha amor, sua desgraça era a fortuna da dor, ele sonhava, sonhava apenas, suas folhas escritas eram vãos poemas. Deus não tem culpa, Deus não existe, culpa outrem, e assim persiste, vida não má, embora triste, não será pessoa por quem se arrisque, se nem arrisca a própria vida. Vivendo assim, não mais se aprende, deitado ao comprido, corpo dormente.

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