E já que falei em jogo colectivo, vou referir uma experiência realizada numa aula de redacção colectiva.
Em primeiro lugar tenho de dizer quem é o Lucas. O Lucas é o 'terror' dos colegas da sua turma, uma turma só de rapazes, que por acaso no dia em que se tentou esta experiência de redacção, ele tinha acabado de vencer espectacularmente, um a um, durante o recreio do intervalo! Todos se apresentavam pois de cabeça baixa à porta da sala, esperando o momento de entrarem. Pelo contrário, o Lucas estava triunfante: vermelho, ofegante, cansadíssimo, mas vencedor.
Entrámos na aula e todos se sentaram. Após alguns momentos, propus fazermos todos no quadro a tal redacção. Estávamos no princípio do ano, e eu anotava que eles tinham muita dificuldade em planificar as ideias de maneira a formar uma pequena história, ou até a mais simples narração de qualquer facto acontecido.
Havia regras: todos tinham de ir ao quadro, seguindo uma determinada ordem, conforme o lugar onde estavam sentados; primeiro, havia que escolher o título; à medida que se ia levantando, cada um escrevia no quadro o que quisesse, ou muito ou pouco, mas sempre continuando o que o colega anterior lá tinha escrito, sem nunca perder de vista o assunto da história. Mas atenação: nunca se podia apagar o que já estava escrito no quadro, nem que fosse uma vírgula ou um ponto! Tinha sempre de continuar.
Este jogo era engraçado porque o ideal era que cada rapaz deixasse a frase de tal maneira incompleta que o colega que se lhe seguisse se visse 'atrapalhado' para a continuar ou terminar...
Bem, estava tudo muito bem combinado e muito bem compreendido por todos, e eles tão entusiasmados que parecia que tinham esquecido já todos os incidentes desagradáveis do recreio do intervalo!
Em primeiro lugar tenho de dizer quem é o Lucas. O Lucas é o 'terror' dos colegas da sua turma, uma turma só de rapazes, que por acaso no dia em que se tentou esta experiência de redacção, ele tinha acabado de vencer espectacularmente, um a um, durante o recreio do intervalo! Todos se apresentavam pois de cabeça baixa à porta da sala, esperando o momento de entrarem. Pelo contrário, o Lucas estava triunfante: vermelho, ofegante, cansadíssimo, mas vencedor.
Entrámos na aula e todos se sentaram. Após alguns momentos, propus fazermos todos no quadro a tal redacção. Estávamos no princípio do ano, e eu anotava que eles tinham muita dificuldade em planificar as ideias de maneira a formar uma pequena história, ou até a mais simples narração de qualquer facto acontecido.
Havia regras: todos tinham de ir ao quadro, seguindo uma determinada ordem, conforme o lugar onde estavam sentados; primeiro, havia que escolher o título; à medida que se ia levantando, cada um escrevia no quadro o que quisesse, ou muito ou pouco, mas sempre continuando o que o colega anterior lá tinha escrito, sem nunca perder de vista o assunto da história. Mas atenação: nunca se podia apagar o que já estava escrito no quadro, nem que fosse uma vírgula ou um ponto! Tinha sempre de continuar.
Este jogo era engraçado porque o ideal era que cada rapaz deixasse a frase de tal maneira incompleta que o colega que se lhe seguisse se visse 'atrapalhado' para a continuar ou terminar...
Bem, estava tudo muito bem combinado e muito bem compreendido por todos, e eles tão entusiasmados que parecia que tinham esquecido já todos os incidentes desagradáveis do recreio do intervalo!
Escolheram o título: 'A velha da floresta'.
O primeiro aluno foi ao quadro e escreveu...
O segundo aluno foi ao quadro e escreveu...
O terceiro aluno foi ao quadro e escreveu..
E assim sucessivamente.
Aqui vai reproduzido o texto, estando a colaboração de cada um deles escrita de maneira a poder distinguir-se bem:
O primeiro aluno foi ao quadro e escreveu...
O segundo aluno foi ao quadro e escreveu...
O terceiro aluno foi ao quadro e escreveu..
E assim sucessivamente.
Aqui vai reproduzido o texto, estando a colaboração de cada um deles escrita de maneira a poder distinguir-se bem:
Era uma vez uma velha Muito Velha e muito feia e muito Má Que vivia numa casa abandonada da floresta. Um dia passou por ali um gato que tinha seis PÊLOS NO BIGODE; E FICOU A VIVER COM ELA. A VELHA gostava muito dele, mas já estava farta de não ver gente, porque todos fugiam dela quando a viam, COM MEDO. Um dia resolveu casar. Escolheu um marido que se chamava Lucas. E O LUCAS CASOU COM A VELHA MUITO VELHA MUITO FEIA E MUITO MÁ.
Eu não sei se estão a ver o caminho que as coisas estavam a levar... Nesta altura do caso já eu estava sem querer intervir, mas a ver que tinha mesmo de intervir.
Os rapazes que tinham sido vencidos pelo Lucas, no recreio, estavam doidos de contentes, triunfantes! Desde que um colega tinha tido a 'bela ideia' de escrever que o marido que a velha tinha escolhido se chamava Lucas, todos se sentiam vingados e bem vingados lá no seu íntimo, e sadicamente saboreavam a aflição e derrota do Lucas, ali diante de todos, condenado a casar com aquela velha má!
E realmente a cara do Lucas era digna de ser vista! Fulo, mal se continha na cadeira, sem saber o que fazer. Assistia impotente ao facto que parecia consumado (no quadro): aquela última frase que o fulminava:
E o Lucas casou com a velha muito velha, muito feia e muito má.
Ainda por cima, acontece que era a vez do Lucas se levantar e ir ao quadro escrever a sua frase. No meio da risota geral, lá se levantou e olhou para mim com ar de súplica, como quem diz: 'E agora? O que posso eu fazer?!'
Eu sosseguei-o: - Repara bem no que está escrito. Olha bem, com muita calma, porque se fores capaz ainda te podes salvar! E muito bem!
Os seus olhos brilharam de esperança: - Ainda me posso salvar? Mas como? Posso apagar aquele ponto final?
Eu - Não. Não podes apagar nada, absolutamente nada. É a regra do jogo. Mas podes acrescentar, continuar. Olha bem para a frase e pensa! Tudo depende de ti.
Na aula o silêncio era total. Não se ouvia nada, nada. Todos ansiosos e curiosos olhavam fixamente para o quadro preto na parede, sem perceber ou tentando perceber como é que o Lucas, sem apagar nada, se podia salvar, ele que já estava tão bem 'enterrado'! Passaram-se bem uns três minutos ou mais. E de repente o Lucas deu um pulo, radiante. Tinha percebido o que podia fazer! Eis o que ele fez:
Aproveitando o próprio ponto final que estava no fim da frase, desenhou ?; e a frase ficou assim, já continuada por ele:
E o Lucas casou com a velha muito velha, muito feia e muito má? não, que ideia! o Lucas ia lá casar com ela!
E aqui está como o Lucas se safou, perante a desolação dos colegas, só porque fez um esforço e soube servir-se dos seus conhecimentos de pontuação.
Resta dizer que depois deste incidente, a redacção continuou normalmente e até resultou uma história divertida, com princípio, meio e fim, esquecidos todos já das bulhas do recreio e da aflição do Lucas...
Maria Alberta Menéres, O Poeta Faz-se Aos 10 Anos
Eu não sei se estão a ver o caminho que as coisas estavam a levar... Nesta altura do caso já eu estava sem querer intervir, mas a ver que tinha mesmo de intervir.
Os rapazes que tinham sido vencidos pelo Lucas, no recreio, estavam doidos de contentes, triunfantes! Desde que um colega tinha tido a 'bela ideia' de escrever que o marido que a velha tinha escolhido se chamava Lucas, todos se sentiam vingados e bem vingados lá no seu íntimo, e sadicamente saboreavam a aflição e derrota do Lucas, ali diante de todos, condenado a casar com aquela velha má!
E realmente a cara do Lucas era digna de ser vista! Fulo, mal se continha na cadeira, sem saber o que fazer. Assistia impotente ao facto que parecia consumado (no quadro): aquela última frase que o fulminava:
E o Lucas casou com a velha muito velha, muito feia e muito má.
Ainda por cima, acontece que era a vez do Lucas se levantar e ir ao quadro escrever a sua frase. No meio da risota geral, lá se levantou e olhou para mim com ar de súplica, como quem diz: 'E agora? O que posso eu fazer?!'
Eu sosseguei-o: - Repara bem no que está escrito. Olha bem, com muita calma, porque se fores capaz ainda te podes salvar! E muito bem!
Os seus olhos brilharam de esperança: - Ainda me posso salvar? Mas como? Posso apagar aquele ponto final?
Eu - Não. Não podes apagar nada, absolutamente nada. É a regra do jogo. Mas podes acrescentar, continuar. Olha bem para a frase e pensa! Tudo depende de ti.
Na aula o silêncio era total. Não se ouvia nada, nada. Todos ansiosos e curiosos olhavam fixamente para o quadro preto na parede, sem perceber ou tentando perceber como é que o Lucas, sem apagar nada, se podia salvar, ele que já estava tão bem 'enterrado'! Passaram-se bem uns três minutos ou mais. E de repente o Lucas deu um pulo, radiante. Tinha percebido o que podia fazer! Eis o que ele fez:
Aproveitando o próprio ponto final que estava no fim da frase, desenhou ?; e a frase ficou assim, já continuada por ele:
E o Lucas casou com a velha muito velha, muito feia e muito má? não, que ideia! o Lucas ia lá casar com ela!
E aqui está como o Lucas se safou, perante a desolação dos colegas, só porque fez um esforço e soube servir-se dos seus conhecimentos de pontuação.
Resta dizer que depois deste incidente, a redacção continuou normalmente e até resultou uma história divertida, com princípio, meio e fim, esquecidos todos já das bulhas do recreio e da aflição do Lucas...
Maria Alberta Menéres, O Poeta Faz-se Aos 10 Anos