Margarida sofria de complexo de complexidade: sempre que mentia, suponha dizer a verdade, sempre que pensava estar descendo, na verdade, subia a rua, e quando se arranjava, para sair, saia ela toda nua. Numa ordem do contrário, em todo o sentimento primário, actuando por meio de opostos, tomavam-lhe desconhecidos gostos. Não notava, se distraia, sem saber o que fazia, sem saber o que era feito: julgava ser solteira, mas namorava qualquer sujeito.
De tal modo que uma tarde, comeu que nem um alarve, coitada da Margarida, contado ninguém acredita: meteu o garfo na boca, lambeu a faca e o prato, não deixou nenhum bocado, tal foi grande o seu cuidado, numa carrada de vezes, tendo o seu corpo tombado, de já não aguentar. Na verdade, enquanto ingeria, julgava estar expelindo, enquanto a comida entrava, julgava estar saindo, e foi tal a fartura, que se enfartou, não vive mais, já se finou.
Morreu, tá morta, sucumbiu-se, a Margarida murchou. Pensando ainda estar viva, mas a Morte já a levou.
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