Como uma cama de papel.

Desenrolo-me e enrolo-me, fundo-me nos lençóis, até me aglomerar da ausência dos lençóis: o lençol já me rejeitou, tão cansado dos meus pontapés; e a manta (confusa entre ser tecido espalhado no chão ou meio tecido que se desagua do colchão) está como prisioneira das bordas da minha cama, na espera de fugir. Não arrefece os meus desejos de quentura. Completamente ausente da esperança de me atar em sono, desfaço o nó que me liga à acção, rejeitando qualquer vontade de movimento.  O meu caderno, onde efectuo diversos registos de gritos da alma, parece germinar em palavras, assim, despido, deixado ao acaso, aberto em qualquer página de letras sangradas à força de empenho em bater em alguém. A meu lado direito, o caderno parece mais desassossegado do que eu. De olhos fixos em mim, branco, pede-me para o pintar. Quase que me parece suspirar ao ouvido tenho mais páginas em mim, magoa-me como se eu fosse o propósito da tua (des)concertação. E eu, nu, na sintonia dos silêncios da noite, imagino-me repleto de folhas escritas à mão, leves como o beijo de uma boca e quase quentes como ela. Há uma conspiração para eu não me esquecer de tudo isto que transpira em mim, que me maltrata em machadadas de palavras. Como uma vírgula às vezes pode ser tão mais difícil que as olheiras de amanhã...

Tenho o corpo cheio de expressões idiomáticas, cobrem-me como se fossem o manto, revestem-me como se fossem o fumo sujo de nuvens de cigarro à minha volta. E quase perco a esperança de me antever noutro cenário que não este, quase me deixo escapar à tentação de negar o sono. Aqui, nesta floresta que é só um quarto, cada erva que cresce é um poema em forma de vulcão onde todas as estações de comboio podem rumar a qualquer estação no poder da liberdade. Tenho o meu corpo ocupado com rasuras e feridas e amores que eu trinquei na tarde que adormecia ao pôr-do-sol. Tenho em mim todos os recantos das memórias que me consomem em isqueiro aceso, todos os conselhos das viagens que já fiz e dos passos na solidão com os outros e comigo. E, brilhando como as estrelas, como um sonho, as folhas quase parecem dizer não te preocupes, amanhã vai estar tudo bem.