o ruído em dias mornos.

mesmo antes de me teres perguntado se eu estava bem, eu estava bem.
tínhamos a melancolia da tarde fria, o paralelo estado capaz de nos unir mesmo em silêncio, 
e tu estavas bonita, mas não era por isso que eu estava bem. 

a parede de conchas de praia desaguava em mim memórias de outro espaço, desenvolvia em mim a capacidade de me sentir bem numa casa onde outrora fui feliz. mas tu não entendeste o brotar das sensações, não compreendeste e saíste magoada quando, na minha sinceridade, te referi sentir-me em paz. para ti, pensamentos de fuga à nossa relação eram uma promiscuidade. a parede de conchas, o estado capaz de reflexão e o sentimento de proteção que exercias em mim corresponderam a uma percepção de enquadramento de sensações. diante de ti, enamorados, perguntaste se eu estava bem. eu respondi que a calma, a paz, o sossego e a alegria interior que me contaminam em momentos em que os segundos não passam, me transportavam para outra casa, sem realce de saudade do passado, sem sentido de oportunidade em recordar outras mãos que me afagaram. agitada, não procurando compreender a sensibilidade de estados naturais, pactuaste com a insensibilidade da materialidade. alimentaste uma dúvida degenerativa, mencionaste sentir-me melhor nos braços de outra pessoa. e contaminaste o alegre silêncio que nos unia. ao abotoares as tuas razões em teu peito, criavas distância a meu lado. o ciúme, a falta de coragem, a incompreensão e incapacidade para uma conversa entre pares, aliciavam-te à solidão. teus olhos, fugindo dos meus, não me magoavam nem me abatiam, mas colocavam-me uma questão: irás morrer em flor nestes momento inférteis? na ausência em me procurares, na incapacidade de ligação, não te perdes e não te encontras. 

eu já não estava bem.