Divagações 3: o suicídio do Maomé

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Uma das coisas que me causam mais estranheza nisto a que se chama vida, que faz uma pessoa ser consciente de uma data determinada de coisas para andar para aí a especular em sola de sapatos gastos pelo tempo que se dá a esforços de ir de um lado para o outro aprender coisas ou trabalhar para aqueloutro, são os aniversários. Podem chamar-me estranho, podem chamar-me estereotipado, fascista dos padrões modernos, até me podem chamar João, embora não seja esse o meu verdadeiro nome, ou podem chamar-me fofinho, moças, que a mim não se me encaixa a comemoração de uma coisa que nem se me lembra ter ocorrido. 'TÁS EM COMA MAS 'TÁS VIVO, PARABÉNS 'TÁS M'OUVIR? Porque é isto, tipo, comemorar porque ainda cá estamos, não faz sentido, não tens sentido, não há nada! Alguma vez se viu um vampiro a dar os Parabéns a outro vampiro? Eu não vi! E porquê? Primeiro, porque para eles é normal; segundo, porque seria inapropriado. Olá, Parabéns! Então, 'tás vivo né? Grande coisa essa de estares vivo tu, isso também eu ó, olha pra mim, vês? Para nós, mortais, o caso é diferente, isto de se estar vivo não é para todos e exige um esforço enorme de se levantar às sete da matina em variadíssimas situações. Não há cá cá chupanços de sangue na goela para depois do almoço e dormir até às quinhentas. Nós temos de ter cuidados de saúde, cuidados de educação, cuidados para não ser atropelado na passadeira pelo bêbado que se enfrascou ao jantar... temos de ter uma variadíssima lista de cuidados a fazer. E isto não é para qualquer um. Eu, por exemplo, só me sinto bem quando as coisas terminam, é uma satisfação enorme, para mim, possuir a consciência que as etapas estipuladas para a realização de um certo processo se encontram realizadas e não há mais nada a fazer senão colocar os pés ao alto e ligar a TV que me corrói o cérebro aos poucos! Imagino que a melhor coisa da vida seja saber que tudo o que havia para se fazer já foi feito, e já há tempo de sobra para fazer realmente aquilo que ser quer e não se pôde na altura em que se fazia o que se fez. Porque o que realmente deve ser apetecível é aquele doce momento do suspiro final em que se sucumbe com um sentimento inigualável de a vida ter sido extensa; pois então, que se fez tudo o que não se queria fazer, que é o mesmo de esperar que termine a publicidade de 20 minutos da RTP, o que irá parecer tempo demais ao que realmente foi. Obviamente que não se quer aqui que as pessoas todas façam aquilo que elas querem fazer, senão o tempo passava depressa demais. Se isto é ironia ou não já nem sei, estou um bocado confuso. Diria Fernando Alvim, apresentador e cronista: 'Anda toda a gente atrás de uma vida. E acho legítimo, porque há quem não a tenha. Desenganem-se aqueles que pensam que basta viver para ter uma vida. Assim era fácil, nascia-se e pronto, tinha-se uma vida. Mas não é assim tão simples. Ter uma vida é uma das coisas mais complicadas que eu conheço e eu nem sequer devia estar a escrever sobre isto porque eu basicamente não a tenho. As pessoas que têm uma vida, normalmente têm tempo para tudo e eu não tenho tempo para nada. É uma questão de organização, dizem-me, e eu talvez concorde, mas não há organização que me aguente. (...) A minha vida está marcada pelas listas que eu faço desde que me conheço. (...) E ou muito me engano ou será sempre assim.' Por isso pois, se eu fosse ao Maomé, antes me sucumbir para aqui todo, que subir a montanha, à partida, já sei, que lá em cima não há nada. Mas, se me for dito a mim, que lá em cima, se encontra um baú com todo o meu ganha-pão necessário ao período de vida que me encontro destinado a viver, mais a educação que me terá de ser incutida e precisa, juntamente aos momentos meritórios de todo o sucesso subsequente com os meus amigos, aí então, nesse especifico caso, pronto, lá ia eu apanhar o comboio para a montanha. Mas as coisas não são assim. Não há duendes ao fundo do arco-íris com um pote de outro. E muito dificilmente se constatará, que decerto haveriam coisas mais interessantes e devidas a fazer do que uma divagação extensiva sobre a vida. Mas repare-se, pelo menos não ando a roubar ou a violar a filha da vizinha que está gorda que nem um pote desde que pariu o primeiro. E se há coisa, que se deveria salvaguardar sobre mim, é este meu espírito: não fazer nada, sim senhor, mas com boa educação. Ser mal educado a não fazer nada é muito anti-ético, há que ser normal e viver a vida com um padrão que, à partida, já se encontra definido. Isso de ser diferente já passou de moda, o que interessa, agora, é o espírito de união para a mesma estrada. If I'm being ironic? Maybe. E caso faças anos hoje, os meus parabéns. E as maiores felicidades!

Divagações II